Repórter da Agência Pública passou pelo treinamento de PUA (Pick-up Artist) em um fim de semana e conta o que viu e ouviu nas aulas práticas...
Repórter da Agência Pública passou pelo treinamento de PUA (Pick-up Artist) em um fim de semana e conta o que viu e ouviu nas aulas práticas e teóricas para aprender a “pegar” mulher.
por Caio Costa | 16 de dezembro de 2014
“Este final de semana vocês não tem uma auto-imagem, deixem o ego de vocês em casa, ele não será útil” (…) “quem resistir a qualquer comando deste bootcamp, vai enfrentar desafios maiores ainda impostos pela gente como retaliação. Mulher não abre a perna pra cara meia-bomba. Nem nós treinamos cara meia-bomba. Tragam a Atitude que sairão HOMENS na segunda-feira”.
Ilustrado com imagens de Gerard Butler interpretando o Rei Leônidas no filme “300”, o texto fazia parte do kit de saudação aos novos alunos do treinamento (bootcamp) de PUA (Pick-up Artist) – em português, “arte de pegar mulher” – no grupo secreto do BC no Facebook. Recebi um convite para entrar no grupo depois de confirmado o pagamento de R$ 1.200,00 para o curso de fim-de-semana. Ali também estava o cronograma das aulas práticas e teóricas sobre como ter sucesso com as mulheres e o endereço do nosso ponto de encontro na noite de sexta-feira.
Seguindo as orientações do Facebook, cheguei às 20h a casa do instrutor C, pronto para ir para a balada. Vesti camisa de botão, calça jeans e sapatênis pretos – tênis de corrida são “expressamente” proibidos, assim como o consumo de álcool durante todo o fim de semana. Logo na porta, encontrei um jovem alto e moreno, que se apresentou como um de meus colegas de curso. C chegou em seguida e nos levou para dentro de um apartamento térreo no Paraíso.
A decoração da sala se resumia a uma mesa com dois computadores, um pequeno sofá, onde eu e meu colega nos sentamos, e um tripé, provavelmente usado por C para gravar seus vídeos; o canal da empresa no Youtube tem quase 5 mil seguidores. Na parede, havia um pôster de uma mulher vestida de “supergirl”. Entre os objetos na mesa, notei uma caneca com a inscrição “I Love My Penis”.
C ligou um dos computadores e começou a falar sobre o curso. Orgulhoso, exaltou os diferenciais de sua empresa em relação à concorrência. “Vocês sabem que têm outros cursos desses, né? Aliás, o que vocês conhecem sobre isso? Já leram bastante?”. Dissemos que pouco sabíamos, ele ficou feliz. “Tem muita besteira por aí, melhor pegar assim do zero”. A campainha tocou. Era M, um jovem que nos foi introduzido como assistente de C. Como seu mestre, M é relativamente baixo, mas possui braços fortes. Os dois são de idades e estilos bem diferentes. Acima dos 30, C tem visual militar. Cabelo curto, cara limpa e roupas em tons sóbrios. M é mais despojado. Tem 19 anos, cabelo bagunçado e barba longa. Vestia calça jeans, tênis colorido de cano alto e uma regata que parecia ser de uma academia de Muay Thay por debaixo de um casaco de couro sintético.
O professor quis conhecer os alunos. Perguntou onde morávamos, idade e por que decidimos fazer o curso. Meu colega se apresentou primeiro: 19 anos, morador de uma cidade na região metropolitana de São Paulo. Entrou no bootcamp para ser “foda”, aprender a “pegar mulher pra caralho”. Falei de forma genérica que queria melhorar meu relacionamento com mulheres. Comentei que descobri o curso após a polêmica com o suíço Julien Blanc (veja reportagem principal). Instrutor e assistente riram quando mencionei seu nome. Não aprovam suas técnicas. Acham que Blanc faz de tudo para aparecer e consideram suas declarações “brincadeiras de mau gosto” feitas para chamar atenção. A repercussão do caso, no entanto, parece ter sido boa para a “comunidade”, pois ampliou a visibilidade dos cursos.
Um terceiro aluno não participou da primeira aula, pois veio de ônibus de outro estado, numa viagem de mais de 15 horas. Segundo o instrutor, os grupos de bootcamp são sempre reduzidos.
C fez mais algumas perguntas para entender melhor os problemas dos alunos e prosseguiu para as instruções práticas da balada.
Três regras básicas:
1) Olhou? Gostou? Vá até ela;
2) Quando falar com uma mulher, fale “como homem”, não como “amiguinho”. Deixe claro seu interesse;
3) Se divirta no processo.
Atendendo a pedido do instrutor, o assistente M se levantou e assumiu o papel de mulher. Após sugestão dos alunos, ele passa a se chamar “Mari” por alguns minutos. Usando Mari como exemplo, C nos ensinou a se aproximar de uma desconhecida na balada. Ao se apresentar, o homem deve cumprimentar a mulher com um beijo no rosto. Dessa forma, explicou, ela começa a se familiarizar com seu toque. É fundamental manter o olhar fixo nos olhos da mulher. O tom de voz tem de ser firme, alto. “Não pode soar como alguém que implora por atenção”. E, o mais importante, é necessário se posicionar bem próximo da garota, para ter “fisicalidade”. C ficou a um palmo do rosto de seu assistente. “Quando você chegar assim perto dela pra conversar, ela vai sentir um desconforto, não vai? O que é esse desconforto?”. Pensei em várias respostas, todas erradas. “Esse desconforto é tensão sexual”, afirmou. “Ela provavelmente vai andar pra trás. Continua conversando e depois chega perto de novo”.
O assistente, no papel de Mari, se afastou. C chegou mais perto. A conversa deve se desenvolver como uma pequena perseguição. Se a mulher recuar, o homem avança. Se ela não se mexer, quer ser beijada. Perguntei qual o momento de parar se a mulher desse muitas demonstrações de não estar interessada. C se mostrou incerto. Após uns segundos pensando, disse que se a menina não for embora ou ameaçar chamar o segurança, não há motivo para desistir. “E se ela te mandar embora?”, perguntei. “Ué, ela comprou aquele lugar na balada? Se ela não estiver gostando, ela sai”.
Cabe à mulher encerrar a abordagem. Mesmo que deixe claro que não está interessada, se a presença do homem a incomoda, é ela quem deve se mover. Outra afirmação do professor me provocou estranheza: “Não existe esse negócio de mulher ir pra balada pra se divertir. Mulher vai pra balada pra dar. Se quisesse se divertir ficava em casa vendo um filme com as amigas”. Havia alguma irreverência no discurso, sem que fosse possível saber o quão sério o instrutor falava — muito menos imaginar o que os alunos compreenderam disso.
E sobre o que devemos conversar com as meninas? “Fale do que você gosta. Seja você mesmo. Do que vocês gostam?”. Contei do meu interesse por música, futebol e política. “Conversar de futebol com mulher é osso. Política também não é uma boa… foca na música. Uma coisa que vocês têm que ter na cabeça é que vocês não estão ali pra agradar a mulher, para entretê-la. Vocês têm que fazer o lance pra vocês, falar do que vocês querem. Se ela não gostou, o problema não é seu. Se você for você mesmo e ela não gostar, vocês não combinam. É melhor para os dois que isso fique claro”.
Havia nas instruções uma linha tênue entre sinceridade e simplesmente ignorar o que a mulher pensa. Diante de minhas preocupações, o ‘roommate’ de C, que chegou no meio da aula e se sentou na sala, interrompeu: “Não tenta se botar no lugar da mulher. Mulher é um bicho completamente diferente do homem, pensa de maneira diferente. Eu só fui me dar bem na vida quando percebi isso”. Instrutor e assistente pareceram concordar.
C foi tomar banho para irmos para a balada. Antes de deixar a sala, colocou uma playlist de videoclipes com mulheres seminuas em seu computador. Disse que era para nos “inspirar” para a noite. Nosso destino era a Yacht, casa noturna na Treze de maio. Antes, porém, faríamos um “aquecimento” na rua Augusta.
Saímos da estação Consolação e descemos rumo ao baixo Augusta. No caminho, instrutor e assistente se desafiaram. C escolheria 2 mulheres para M abordar, e vice-versa. A ideia era nos deixar mais confortáveis com as abordagens e, principalmente, as rejeições. Quando C se aproximou do primeiro alvo, apontado pelo assistente, parou a abordagem no meio e voltou rindo. Era uma travesti. “Porra, era um traveco. Essa não valeu”.
O procedimento era quase sempre o mesmo. Se a menina estivesse de costas, um leve toque no ombro e, quando ela se virasse, um aceno de mão, seguido de cumprimento com beijo na bochecha e apresentação. Muitas se afastaram de primeira, talvez assustadas com a aproximação de um estranho em trechos escuros da calçada. C e M também pararam para conversar com moças que bebiam em frente aos bares da Augusta. A maior parte das meninas pareceu não se interessar pelos instrutores, mas eles não se importavam.
Depois de algumas demonstrações, chegou a vez dos alunos. “Chega em qualquer uma, gorda, zuada, só pra tirar a zica”, insistiam os professores. Animado, meu colega realizou uma série de abordagens. Fiz de tudo para enrolar e consegui chegar à Yacht sem falar com nenhuma desconhecida na rua Augusta.
Talvez sensibilizado com minha timidez, C decidiu quebrar o protocolo e tomamos uma cerveja em frente à casa noturna. Depois de duas garrafas – sem a participação do assistente, que não bebe –, entramos na Yacht. Não pagamos a entrada, pois o promoter da festa era também um instrutor de PUA, amigo de C, que nos colocou na lista VIP.
Demos uma pequena volta para conhecer a casa. Além da pista, havia um espaço externo, onde era mais fácil conversar com as garotas. Fomos chamados a entrar em ação. “As cinco primeiras nem valem, hein? Chega em qualquer uma”. Meu colega se mostrou um aluno exemplar. Quando recebia uma ordem, obedecia sem pestanejar. Logo havia abordado praticamente todas as mulheres da festa, como queriam os instrutores.
Além de treinar abordagens, o objetivo de falar com muitas garotas logo ao chegar na balada é identificar as que oferecem uma oportunidade de sucesso na noite. Caso o aluno “dê a sorte” de ficar com alguém logo de início, no entanto, não deve perder muito tempo com a pessoa. “Fala pra ela que você foi pra balada pra se divertir com seus amigos, pede o telefone e mais tarde se você quiser pega ela de novo”. Em seu apartamento, C dividiu as mulheres de uma festa em 3 categorias: receptivas, neutras e negativas – a classificação se refere a maneira como elas reagem à sua abordagem. Como somos iniciantes, recomendou que apostássemos nas receptivas e neutras. Ele próprio, revelou, prefere ir atrás das negativas. O desafio é maior.
Na balada, como em todo o bootcamp, instrutores não desgrudam dos alunos. A experiência se assemelha a aulas práticas para tirar carteira de motorista. Eles têm códigos combinados para ‘pilotar’ seus aprendizes durante as abordagens. Posicionam-se atrás das meninas e, se necessário, fazem sinais para orientar o aluno a falar mais alto ou se aproximar da garota, tudo isso sem que ela perceba.
Não apresentei a mesma postura proativa de meu colega. Diante de minha falta de iniciativa de me aproximar das meninas na Yatch, C se manteve calmo. Tentou me ajudar a vencer meu “bloqueio” de diversas formas. Seu assistente, por outro lado, ficou impaciente. Apontava meninas incessantemente e se irritou com minha teimosia. Questionou meu interesse no curso. Disse que eu estava jogando dinheiro fora.
Fiz o possível pra me desvencilhar dele. Na pista, vi um jovem se aproximar de maneira ostensiva de uma menina. A expressão dela era clara: não havia interesse. Ele segurava na cintura da garota, que recuava insistentemente. Por mais que ela se afastasse, ele não desgrudava, até se aproximarem de uma parede. “Esse aí tá mandando bem. Ela não tá curtindo muito, mas ele tá fazendo certo”, comentou C.
Quando o relógio marcou 4h, disse que estava cansado e fui embora. Não houve protesto.
No dia seguinte, encontrei meus mestres na avenida Paulista. Era a hora do daygame. À luz do dia, tínhamos que nos aproximar de desconhecidas na rua. O rapaz que veio de outro estado chegou de manhã e participou também da atividade.
Como meu outro colega, o jovem se mostrou animado. Abordou dezenas de moças na Paulista sem nenhum constrangimento. Não éramos o único grupo na região. Em frente ao Center 3 e ao Reserva Cultural, outros alunos e instrutores de PUA se aglomeravam à procura de alvos. Muitos dos professores dos outros grupos são ex-alunos de C. Há alguma rivalidade entre os cursos.
As orientações para abordar mulheres nas ruas são quase as mesmas da balada. Diga ‘oi’, cumprimente com beijo no rosto e comente algo sobre ela. Diga que ela é bonita, que a bolsa dela é estilosa, qualquer coisa. “O que você fala não importa muito”, nos disse C. Após alguns minutos de conversa, a recomendação é de tentar levar a mulher para algum lugar, chamar para tomar um café, sorvete ou até uma cerveja. “É importante você movimentar a mulher. Com isso ela vai se acostumando a ser comandada por você”, explicou-me o assistente.
As regras espaciais da noite são válidas também na rua. Em uma demonstração para os alunos, o instrutor se aproxima de uma moça em um ponto de ônibus. Ela não manifesta o menor interesse na conversa, mas ele não recua. Após alguns minutos, a jovem vai embora sem pegar o ônibus. Segundo o instrutor, ela disse que foi encontrar uma amiga. “Você não acha que ela inventou isso só pra sair da situação?”, perguntei. A resposta: “Isso não é problema meu”. Toda vez que me preocupei sobre mulheres não gostarem das aproximações, a resposta foi a mesma: não é problema do homem.
Nas conversas do daygame do sábado, conheci um pouco melhor meu instrutor. Anos atrás, tentando curar uma suposta depressão, C descobriu as técnicas de Programação Neurolinguística em práticas de yoga. Durante pesquisas sobre o tema, soube de pessoas que usavam a ciência na sedução de mulheres. Mais tarde, já “curado” e solteiro, resolveu testar a PNL na pista. Seguiu estudando até se se tornar um PUA.
Não era fácil conversar durante o daygame. Alunos e professores costumam fazer desafios. É estabelecido um tempo, começando com cinco minutos e, quem não conseguir falar com uma mulher nesse período, será punido. O castigo é abordar um homem ou “uma velha”. E não basta falar ‘oi’. Membros vão verificar se o perdedor está mesmo seduzindo a pessoa escolhida para a punição. Praticamos o desafio algumas vezes, reduzindo o tempo a dois minutos. Até mesmo os instrutores ficaram nervosos com a pressão, mas ninguém foi derrotado. Fomos liberados das atividades às 19h30.
No meio do segundo dia de bootcamp, já estava saturado. Procurei amigos para aproveitar meu intervalo até às 23h. Queria algumas horas de conversa normal, um intervalo sem receber ordens de ninguém para abordar mulheres. Mas às 23h10 eu estava pronto para uma nova balada em frente ao Center 3.
Novamente descemos a Augusta abordando desconhecidas. Desta vez, a balada escolhida ficava na própria rua. Entramos na Blitz Haus pouco depois da meia noite. O cenário era bem diferente da primeira festa. A casa estava cheia e o público mais animado que na noite anterior. Instrutor e assistente se desafiaram mais uma vez. O combinado era: se um dos dois ficasse com uma menina, teria que pegar mais 5 ou “comer” uma. As opções eram ficar com seis meninas, fazer sexo com uma ou não ficar com ninguém. Quem desrespeitasse a regra ficaria proibido de sair com qualquer menina por uma semana.
Na pista lotada, alunos não tinham descanso nem quando conseguiam ficar com alguém. Enquanto beijava uma menina, um aluno foi avisado pelo assistente: “Tá bom já, vai atrás de outra”. Como técnicos à beira do campo, os instrutores repetiam as orientações do treinamento: “Não esquece de fazer as três perguntas: com quem você veio, como vai embora e o que vai fazer amanhã, assim você sabe qual têm mais chance de levar pra casa”. Moças sozinhas eram vistas como atacantes livres, que os alunos, como zagueiros, tinham que marcar. “Vai naquela”, repetiam, apontando.
Questões mais íntimas também entraram em pauta. “Você dedou a mina? Tem que dedar a mina”, disse o assistente, pressionando um aluno que acabara de ficar com uma menina. Embaraçado, ele respondeu: “Ela não me deixava nem encostar na barriga dela, mandava tirar a mão”. “Ignora”, respondeu o assistente, rindo. Novamente, não era possível saber se ele falava sério nem o efeito da orientação na cabeça do aluno. “Não pode pegar ‘pau mole’, tem que pegar firme. Tenta comer uma mina no banheiro”, orientou.
A noite terminou com um vencedor. Um colega de turma conseguiu “dar o pull” – sair da balada acompanhado, no vocabulário PUA. No dia seguinte, foi festejado por instrutores e colegas. C fez apenas uma pergunta sobre a continuação da noite: “Você não transou sem camisinha, né?”, o jovem respondeu que não.
Minha tarde de domingo se arrastou em mais abordagens constrangedoras, desafios e a constante ameaça de ter que seduzir uma idosa ou um homem. Concluímos o bootcamp em um bar da região. Agora aguardo meu feedback em vídeo.
Fonte: Agência Pública
[Via BBA]
por Caio Costa | 16 de dezembro de 2014
“Este final de semana vocês não tem uma auto-imagem, deixem o ego de vocês em casa, ele não será útil” (…) “quem resistir a qualquer comando deste bootcamp, vai enfrentar desafios maiores ainda impostos pela gente como retaliação. Mulher não abre a perna pra cara meia-bomba. Nem nós treinamos cara meia-bomba. Tragam a Atitude que sairão HOMENS na segunda-feira”.
Ilustrado com imagens de Gerard Butler interpretando o Rei Leônidas no filme “300”, o texto fazia parte do kit de saudação aos novos alunos do treinamento (bootcamp) de PUA (Pick-up Artist) – em português, “arte de pegar mulher” – no grupo secreto do BC no Facebook. Recebi um convite para entrar no grupo depois de confirmado o pagamento de R$ 1.200,00 para o curso de fim-de-semana. Ali também estava o cronograma das aulas práticas e teóricas sobre como ter sucesso com as mulheres e o endereço do nosso ponto de encontro na noite de sexta-feira.
Seguindo as orientações do Facebook, cheguei às 20h a casa do instrutor C, pronto para ir para a balada. Vesti camisa de botão, calça jeans e sapatênis pretos – tênis de corrida são “expressamente” proibidos, assim como o consumo de álcool durante todo o fim de semana. Logo na porta, encontrei um jovem alto e moreno, que se apresentou como um de meus colegas de curso. C chegou em seguida e nos levou para dentro de um apartamento térreo no Paraíso.
A decoração da sala se resumia a uma mesa com dois computadores, um pequeno sofá, onde eu e meu colega nos sentamos, e um tripé, provavelmente usado por C para gravar seus vídeos; o canal da empresa no Youtube tem quase 5 mil seguidores. Na parede, havia um pôster de uma mulher vestida de “supergirl”. Entre os objetos na mesa, notei uma caneca com a inscrição “I Love My Penis”.
C ligou um dos computadores e começou a falar sobre o curso. Orgulhoso, exaltou os diferenciais de sua empresa em relação à concorrência. “Vocês sabem que têm outros cursos desses, né? Aliás, o que vocês conhecem sobre isso? Já leram bastante?”. Dissemos que pouco sabíamos, ele ficou feliz. “Tem muita besteira por aí, melhor pegar assim do zero”. A campainha tocou. Era M, um jovem que nos foi introduzido como assistente de C. Como seu mestre, M é relativamente baixo, mas possui braços fortes. Os dois são de idades e estilos bem diferentes. Acima dos 30, C tem visual militar. Cabelo curto, cara limpa e roupas em tons sóbrios. M é mais despojado. Tem 19 anos, cabelo bagunçado e barba longa. Vestia calça jeans, tênis colorido de cano alto e uma regata que parecia ser de uma academia de Muay Thay por debaixo de um casaco de couro sintético.
O professor quis conhecer os alunos. Perguntou onde morávamos, idade e por que decidimos fazer o curso. Meu colega se apresentou primeiro: 19 anos, morador de uma cidade na região metropolitana de São Paulo. Entrou no bootcamp para ser “foda”, aprender a “pegar mulher pra caralho”. Falei de forma genérica que queria melhorar meu relacionamento com mulheres. Comentei que descobri o curso após a polêmica com o suíço Julien Blanc (veja reportagem principal). Instrutor e assistente riram quando mencionei seu nome. Não aprovam suas técnicas. Acham que Blanc faz de tudo para aparecer e consideram suas declarações “brincadeiras de mau gosto” feitas para chamar atenção. A repercussão do caso, no entanto, parece ter sido boa para a “comunidade”, pois ampliou a visibilidade dos cursos.
Um terceiro aluno não participou da primeira aula, pois veio de ônibus de outro estado, numa viagem de mais de 15 horas. Segundo o instrutor, os grupos de bootcamp são sempre reduzidos.
C fez mais algumas perguntas para entender melhor os problemas dos alunos e prosseguiu para as instruções práticas da balada.
Três regras básicas:
1) Olhou? Gostou? Vá até ela;
2) Quando falar com uma mulher, fale “como homem”, não como “amiguinho”. Deixe claro seu interesse;
3) Se divirta no processo.
Atendendo a pedido do instrutor, o assistente M se levantou e assumiu o papel de mulher. Após sugestão dos alunos, ele passa a se chamar “Mari” por alguns minutos. Usando Mari como exemplo, C nos ensinou a se aproximar de uma desconhecida na balada. Ao se apresentar, o homem deve cumprimentar a mulher com um beijo no rosto. Dessa forma, explicou, ela começa a se familiarizar com seu toque. É fundamental manter o olhar fixo nos olhos da mulher. O tom de voz tem de ser firme, alto. “Não pode soar como alguém que implora por atenção”. E, o mais importante, é necessário se posicionar bem próximo da garota, para ter “fisicalidade”. C ficou a um palmo do rosto de seu assistente. “Quando você chegar assim perto dela pra conversar, ela vai sentir um desconforto, não vai? O que é esse desconforto?”. Pensei em várias respostas, todas erradas. “Esse desconforto é tensão sexual”, afirmou. “Ela provavelmente vai andar pra trás. Continua conversando e depois chega perto de novo”.
O assistente, no papel de Mari, se afastou. C chegou mais perto. A conversa deve se desenvolver como uma pequena perseguição. Se a mulher recuar, o homem avança. Se ela não se mexer, quer ser beijada. Perguntei qual o momento de parar se a mulher desse muitas demonstrações de não estar interessada. C se mostrou incerto. Após uns segundos pensando, disse que se a menina não for embora ou ameaçar chamar o segurança, não há motivo para desistir. “E se ela te mandar embora?”, perguntei. “Ué, ela comprou aquele lugar na balada? Se ela não estiver gostando, ela sai”.
Cabe à mulher encerrar a abordagem. Mesmo que deixe claro que não está interessada, se a presença do homem a incomoda, é ela quem deve se mover. Outra afirmação do professor me provocou estranheza: “Não existe esse negócio de mulher ir pra balada pra se divertir. Mulher vai pra balada pra dar. Se quisesse se divertir ficava em casa vendo um filme com as amigas”. Havia alguma irreverência no discurso, sem que fosse possível saber o quão sério o instrutor falava — muito menos imaginar o que os alunos compreenderam disso.
E sobre o que devemos conversar com as meninas? “Fale do que você gosta. Seja você mesmo. Do que vocês gostam?”. Contei do meu interesse por música, futebol e política. “Conversar de futebol com mulher é osso. Política também não é uma boa… foca na música. Uma coisa que vocês têm que ter na cabeça é que vocês não estão ali pra agradar a mulher, para entretê-la. Vocês têm que fazer o lance pra vocês, falar do que vocês querem. Se ela não gostou, o problema não é seu. Se você for você mesmo e ela não gostar, vocês não combinam. É melhor para os dois que isso fique claro”.
Havia nas instruções uma linha tênue entre sinceridade e simplesmente ignorar o que a mulher pensa. Diante de minhas preocupações, o ‘roommate’ de C, que chegou no meio da aula e se sentou na sala, interrompeu: “Não tenta se botar no lugar da mulher. Mulher é um bicho completamente diferente do homem, pensa de maneira diferente. Eu só fui me dar bem na vida quando percebi isso”. Instrutor e assistente pareceram concordar.
C foi tomar banho para irmos para a balada. Antes de deixar a sala, colocou uma playlist de videoclipes com mulheres seminuas em seu computador. Disse que era para nos “inspirar” para a noite. Nosso destino era a Yacht, casa noturna na Treze de maio. Antes, porém, faríamos um “aquecimento” na rua Augusta.
As aulas práticas acontecem na rua e nas baladas. Foto: Chris Von Ameln |
O procedimento era quase sempre o mesmo. Se a menina estivesse de costas, um leve toque no ombro e, quando ela se virasse, um aceno de mão, seguido de cumprimento com beijo na bochecha e apresentação. Muitas se afastaram de primeira, talvez assustadas com a aproximação de um estranho em trechos escuros da calçada. C e M também pararam para conversar com moças que bebiam em frente aos bares da Augusta. A maior parte das meninas pareceu não se interessar pelos instrutores, mas eles não se importavam.
Depois de algumas demonstrações, chegou a vez dos alunos. “Chega em qualquer uma, gorda, zuada, só pra tirar a zica”, insistiam os professores. Animado, meu colega realizou uma série de abordagens. Fiz de tudo para enrolar e consegui chegar à Yacht sem falar com nenhuma desconhecida na rua Augusta.
Talvez sensibilizado com minha timidez, C decidiu quebrar o protocolo e tomamos uma cerveja em frente à casa noturna. Depois de duas garrafas – sem a participação do assistente, que não bebe –, entramos na Yacht. Não pagamos a entrada, pois o promoter da festa era também um instrutor de PUA, amigo de C, que nos colocou na lista VIP.
Demos uma pequena volta para conhecer a casa. Além da pista, havia um espaço externo, onde era mais fácil conversar com as garotas. Fomos chamados a entrar em ação. “As cinco primeiras nem valem, hein? Chega em qualquer uma”. Meu colega se mostrou um aluno exemplar. Quando recebia uma ordem, obedecia sem pestanejar. Logo havia abordado praticamente todas as mulheres da festa, como queriam os instrutores.
Além de treinar abordagens, o objetivo de falar com muitas garotas logo ao chegar na balada é identificar as que oferecem uma oportunidade de sucesso na noite. Caso o aluno “dê a sorte” de ficar com alguém logo de início, no entanto, não deve perder muito tempo com a pessoa. “Fala pra ela que você foi pra balada pra se divertir com seus amigos, pede o telefone e mais tarde se você quiser pega ela de novo”. Em seu apartamento, C dividiu as mulheres de uma festa em 3 categorias: receptivas, neutras e negativas – a classificação se refere a maneira como elas reagem à sua abordagem. Como somos iniciantes, recomendou que apostássemos nas receptivas e neutras. Ele próprio, revelou, prefere ir atrás das negativas. O desafio é maior.
Na balada, como em todo o bootcamp, instrutores não desgrudam dos alunos. A experiência se assemelha a aulas práticas para tirar carteira de motorista. Eles têm códigos combinados para ‘pilotar’ seus aprendizes durante as abordagens. Posicionam-se atrás das meninas e, se necessário, fazem sinais para orientar o aluno a falar mais alto ou se aproximar da garota, tudo isso sem que ela perceba.
Não apresentei a mesma postura proativa de meu colega. Diante de minha falta de iniciativa de me aproximar das meninas na Yatch, C se manteve calmo. Tentou me ajudar a vencer meu “bloqueio” de diversas formas. Seu assistente, por outro lado, ficou impaciente. Apontava meninas incessantemente e se irritou com minha teimosia. Questionou meu interesse no curso. Disse que eu estava jogando dinheiro fora.
Fiz o possível pra me desvencilhar dele. Na pista, vi um jovem se aproximar de maneira ostensiva de uma menina. A expressão dela era clara: não havia interesse. Ele segurava na cintura da garota, que recuava insistentemente. Por mais que ela se afastasse, ele não desgrudava, até se aproximarem de uma parede. “Esse aí tá mandando bem. Ela não tá curtindo muito, mas ele tá fazendo certo”, comentou C.
Quando o relógio marcou 4h, disse que estava cansado e fui embora. Não houve protesto.
No dia seguinte, encontrei meus mestres na avenida Paulista. Era a hora do daygame. À luz do dia, tínhamos que nos aproximar de desconhecidas na rua. O rapaz que veio de outro estado chegou de manhã e participou também da atividade.
Como meu outro colega, o jovem se mostrou animado. Abordou dezenas de moças na Paulista sem nenhum constrangimento. Não éramos o único grupo na região. Em frente ao Center 3 e ao Reserva Cultural, outros alunos e instrutores de PUA se aglomeravam à procura de alvos. Muitos dos professores dos outros grupos são ex-alunos de C. Há alguma rivalidade entre os cursos.
As orientações para abordar mulheres nas ruas são quase as mesmas da balada. Diga ‘oi’, cumprimente com beijo no rosto e comente algo sobre ela. Diga que ela é bonita, que a bolsa dela é estilosa, qualquer coisa. “O que você fala não importa muito”, nos disse C. Após alguns minutos de conversa, a recomendação é de tentar levar a mulher para algum lugar, chamar para tomar um café, sorvete ou até uma cerveja. “É importante você movimentar a mulher. Com isso ela vai se acostumando a ser comandada por você”, explicou-me o assistente.
As regras espaciais da noite são válidas também na rua. Em uma demonstração para os alunos, o instrutor se aproxima de uma moça em um ponto de ônibus. Ela não manifesta o menor interesse na conversa, mas ele não recua. Após alguns minutos, a jovem vai embora sem pegar o ônibus. Segundo o instrutor, ela disse que foi encontrar uma amiga. “Você não acha que ela inventou isso só pra sair da situação?”, perguntei. A resposta: “Isso não é problema meu”. Toda vez que me preocupei sobre mulheres não gostarem das aproximações, a resposta foi a mesma: não é problema do homem.
Nas conversas do daygame do sábado, conheci um pouco melhor meu instrutor. Anos atrás, tentando curar uma suposta depressão, C descobriu as técnicas de Programação Neurolinguística em práticas de yoga. Durante pesquisas sobre o tema, soube de pessoas que usavam a ciência na sedução de mulheres. Mais tarde, já “curado” e solteiro, resolveu testar a PNL na pista. Seguiu estudando até se se tornar um PUA.
Não era fácil conversar durante o daygame. Alunos e professores costumam fazer desafios. É estabelecido um tempo, começando com cinco minutos e, quem não conseguir falar com uma mulher nesse período, será punido. O castigo é abordar um homem ou “uma velha”. E não basta falar ‘oi’. Membros vão verificar se o perdedor está mesmo seduzindo a pessoa escolhida para a punição. Praticamos o desafio algumas vezes, reduzindo o tempo a dois minutos. Até mesmo os instrutores ficaram nervosos com a pressão, mas ninguém foi derrotado. Fomos liberados das atividades às 19h30.
No meio do segundo dia de bootcamp, já estava saturado. Procurei amigos para aproveitar meu intervalo até às 23h. Queria algumas horas de conversa normal, um intervalo sem receber ordens de ninguém para abordar mulheres. Mas às 23h10 eu estava pronto para uma nova balada em frente ao Center 3.
Novamente descemos a Augusta abordando desconhecidas. Desta vez, a balada escolhida ficava na própria rua. Entramos na Blitz Haus pouco depois da meia noite. O cenário era bem diferente da primeira festa. A casa estava cheia e o público mais animado que na noite anterior. Instrutor e assistente se desafiaram mais uma vez. O combinado era: se um dos dois ficasse com uma menina, teria que pegar mais 5 ou “comer” uma. As opções eram ficar com seis meninas, fazer sexo com uma ou não ficar com ninguém. Quem desrespeitasse a regra ficaria proibido de sair com qualquer menina por uma semana.
Na pista lotada, alunos não tinham descanso nem quando conseguiam ficar com alguém. Enquanto beijava uma menina, um aluno foi avisado pelo assistente: “Tá bom já, vai atrás de outra”. Como técnicos à beira do campo, os instrutores repetiam as orientações do treinamento: “Não esquece de fazer as três perguntas: com quem você veio, como vai embora e o que vai fazer amanhã, assim você sabe qual têm mais chance de levar pra casa”. Moças sozinhas eram vistas como atacantes livres, que os alunos, como zagueiros, tinham que marcar. “Vai naquela”, repetiam, apontando.
Questões mais íntimas também entraram em pauta. “Você dedou a mina? Tem que dedar a mina”, disse o assistente, pressionando um aluno que acabara de ficar com uma menina. Embaraçado, ele respondeu: “Ela não me deixava nem encostar na barriga dela, mandava tirar a mão”. “Ignora”, respondeu o assistente, rindo. Novamente, não era possível saber se ele falava sério nem o efeito da orientação na cabeça do aluno. “Não pode pegar ‘pau mole’, tem que pegar firme. Tenta comer uma mina no banheiro”, orientou.
A noite terminou com um vencedor. Um colega de turma conseguiu “dar o pull” – sair da balada acompanhado, no vocabulário PUA. No dia seguinte, foi festejado por instrutores e colegas. C fez apenas uma pergunta sobre a continuação da noite: “Você não transou sem camisinha, né?”, o jovem respondeu que não.
Minha tarde de domingo se arrastou em mais abordagens constrangedoras, desafios e a constante ameaça de ter que seduzir uma idosa ou um homem. Concluímos o bootcamp em um bar da região. Agora aguardo meu feedback em vídeo.
Fonte: Agência Pública
[Via BBA]