Já foi moda criticar os que usavam a expressão "risco de vida", o certo seria usar "risco de morte" conforme defendia o ...
Já foi moda criticar os que usavam a expressão "risco de vida", o certo seria usar "risco de morte" conforme defendia o professor Pasquale Cipro Neto. Agora, reportagem da revista Veja chama de "gramáticos amadores" quem defendia essa tese.
E o pior é que o próprio professor Pasquale aparece como sendo uma fonte consultada para a matéria.
Como será que eles consultam os especialistas?
A polêmica originou-se a cerca de uns 13 anos e eu tive contato com ela quando foi lançado o muito bem produzido CD-ROM Nossa Língua Portuguesa. Cujo conteúdo didático era de responsabilidade do professor supra citado.
Baseado no programa da TV Cultura de mesmo nome o software educativo mostrava com muita musicalidade conceitos e dificuldades da língua portuguesa.
E o professor Pasquale fazia o tipo liberal, que promovia a língua (especialmente a falada) como uma entidade viva, dinâmica e rica em regionalismos.
Pois foi quando ele resolveu incluir a expressão "risco de vida" como sendo um erro de falta de lógica dos falantes e, como consultor de redações jornalísticas como da TV Globo, converteu-se em fonte precípua de editores que baniram a expressão da mídia.
Até os médicos se sentiram desconfortáveis, afinal sempre ouviram a expressão inclusive dos mestres na academia e nunca ouviram dizer que tal expressão fosse considerada inculta.
Comecei a reparar que, da noite para o dia, no canal Band News (que eu via muito na época) só falavam em "risco de morte" ao se referirem ao estado de alguém que perigava morrer.
O tempo passou e vieram ao socorro dos falantes que estavam enrolados com a nova "regra", como quem larga o mouse para mexer com um trackball pela primeira vez, outros gramáticos e linguistas que argumentavam que a análise feita era superficial, pois escritores do porte de Machado de Assis usavam "risco de vida", que esse ou aquele dicionário consagravam o termo pelo uso etc.
Dessa forma, como ficam os concurseiros e vestibulandos diante dessa insegurança gramática? Como sempre ficaram. A mercê da vontade dessa ou daquela banca que provavelmente seguirá algum autor (e é esse que deve ser seguido, sob pena de ter que travar batalhas jurídicas homéricas para garantir uns pontinhos a mais para a aprovação).
Pois o professor Pasquale, talvez por não quererem atacar diretamente alguém que prestou bons serviços à popularização do assunto Língua Portuguesa, sendo até hoje uma espécie de "popstar" da gramática, ou por receio de terem que providenciar direito de resposta, raramente é diretamente citado.
Ele já lucrou com os CD-ROMs e agora vende seus livros à rodo e é vida que segue. Só que os ataques que a revista (e outros linguistas) fez aos seus ensinamentos, foi sim uma tabefe com luva de pelica. Vida de professor é dura, meus caros.
A minha posição? É claro que Machado de Assis estava certo quanto ao uso. Mas eu não sou o prof. Pasquale para dizer se ele estava ou não estava certo. Sou um professor de computação, bem afeito à lógica. E nem digo que o outro lado está errado em dizer "pois não" quando quer dizer "sim", piscina para "gente" nadar (ao invés de "peixes") e "eu NÃO quero NADA disso", ao invés de "eu quero NADA disso".
Por outro lado, não é porque finalmente a era Dunga acabou que podemos dizer adeus para a coerência (termo que está totalmente "out" nesse momento, mas com certeza é uma moda que passará).
Digo apenas que se usarmos as duas formas, "risco de morte" e "risco de vida", Para querermos dizer a mesma coisa teremos um sobrinho de 4 anos nos dizendo que isso é uma loucura.
E eu responderei que do ponto de vista da lógica ele está certo, e o prof. Pasquale também. Mas precisamos ter tolerância com as correntes contrárias. Quem sabe com essa pasqualada (seja lá o que for esse verbete no futuro) não passemos a usar mais "risco de morte" e com isso "consertamos" essa particularidade da língua?
Afinal, na mesma reportagem a Veja veio falar mal do gerundismo, de termos em inglês e em português "deselegantes". Ainda que saibamos que o deselegante hoje pode se tornar o familiar amanhã, e está longe de ser um conceito absoluto.
Assim, para alguém da área de exatas como eu, o português tem uma lógica muito "fuzzy". Talvez no futuro as máquinas de tradução, parsers e algoritmos de análise lexicais possam domar um pouco a fluidez formal de nossa língua. Ainda que não haja nada que indique que isso seja uma tendência.
Em artigo intitulado Revista Veja e suas concepções de Língua e Ensino Tânia Guimarães discorre sobre o caráter meio bipolar da revista em relação ao tema, como pode ser observado nos seguintes trechos do referido artigo:
Mas o português é assim mesmo, vem uma reforma para simplificar e temos que aprender tudo de novo. Aí um país lusófono grita que não abre mão de uma exceção e a simplificação complica.
Basta que todo mundo fale errado que o errado fica certo e o certo anterior caia em desuso. Assim, como o Direito, o a norma culta sempre serviu para discriminar e segregar. Facultando aos especialista o direito de "falar errado" e "agir errado", desde que saiba justificar. Para não se passar por ignorante.
Desta forma, a próxima vez que alguém corrigir o seu português diga que você está, na verdade, criando um neologismo, uma licença poética, que você foi alfabetizado em inglês, ou mesmo que você está exercendo seu poder transformador da língua. Que daqui a pouco o "vc q tc" vai figurar em algum dicionário, primeiro como jargão técnico, depois será incorporado na norma culta pois algum "imortal" vai escrever alguma crônica citando a inovação e o errado passará a ser o corretor.
E siga feliz com a democracia e a liberdade de expressão. Só não vá fazer isso em um concurso público ou no vestibular que você se enrosca. ;-D
E o pior é que o próprio professor Pasquale aparece como sendo uma fonte consultada para a matéria.
Como será que eles consultam os especialistas?
Olha professor, eu vou te lascar em uma matéria, como você não será citado diretamente, será que o senhor poderia emprestar seu nome? Dá um ar de profundidade...
A polêmica originou-se a cerca de uns 13 anos e eu tive contato com ela quando foi lançado o muito bem produzido CD-ROM Nossa Língua Portuguesa. Cujo conteúdo didático era de responsabilidade do professor supra citado.
Baseado no programa da TV Cultura de mesmo nome o software educativo mostrava com muita musicalidade conceitos e dificuldades da língua portuguesa.
E o professor Pasquale fazia o tipo liberal, que promovia a língua (especialmente a falada) como uma entidade viva, dinâmica e rica em regionalismos.
Pois foi quando ele resolveu incluir a expressão "risco de vida" como sendo um erro de falta de lógica dos falantes e, como consultor de redações jornalísticas como da TV Globo, converteu-se em fonte precípua de editores que baniram a expressão da mídia.
Até os médicos se sentiram desconfortáveis, afinal sempre ouviram a expressão inclusive dos mestres na academia e nunca ouviram dizer que tal expressão fosse considerada inculta.
Comecei a reparar que, da noite para o dia, no canal Band News (que eu via muito na época) só falavam em "risco de morte" ao se referirem ao estado de alguém que perigava morrer.
O tempo passou e vieram ao socorro dos falantes que estavam enrolados com a nova "regra", como quem larga o mouse para mexer com um trackball pela primeira vez, outros gramáticos e linguistas que argumentavam que a análise feita era superficial, pois escritores do porte de Machado de Assis usavam "risco de vida", que esse ou aquele dicionário consagravam o termo pelo uso etc.
Dessa forma, como ficam os concurseiros e vestibulandos diante dessa insegurança gramática? Como sempre ficaram. A mercê da vontade dessa ou daquela banca que provavelmente seguirá algum autor (e é esse que deve ser seguido, sob pena de ter que travar batalhas jurídicas homéricas para garantir uns pontinhos a mais para a aprovação).
Pois o professor Pasquale, talvez por não quererem atacar diretamente alguém que prestou bons serviços à popularização do assunto Língua Portuguesa, sendo até hoje uma espécie de "popstar" da gramática, ou por receio de terem que providenciar direito de resposta, raramente é diretamente citado.
Ele já lucrou com os CD-ROMs e agora vende seus livros à rodo e é vida que segue. Só que os ataques que a revista (e outros linguistas) fez aos seus ensinamentos, foi sim uma tabefe com luva de pelica. Vida de professor é dura, meus caros.
A minha posição? É claro que Machado de Assis estava certo quanto ao uso. Mas eu não sou o prof. Pasquale para dizer se ele estava ou não estava certo. Sou um professor de computação, bem afeito à lógica. E nem digo que o outro lado está errado em dizer "pois não" quando quer dizer "sim", piscina para "gente" nadar (ao invés de "peixes") e "eu NÃO quero NADA disso", ao invés de "eu quero NADA disso".
Por outro lado, não é porque finalmente a era Dunga acabou que podemos dizer adeus para a coerência (termo que está totalmente "out" nesse momento, mas com certeza é uma moda que passará).
Digo apenas que se usarmos as duas formas, "risco de morte" e "risco de vida", Para querermos dizer a mesma coisa teremos um sobrinho de 4 anos nos dizendo que isso é uma loucura.
E eu responderei que do ponto de vista da lógica ele está certo, e o prof. Pasquale também. Mas precisamos ter tolerância com as correntes contrárias. Quem sabe com essa pasqualada (seja lá o que for esse verbete no futuro) não passemos a usar mais "risco de morte" e com isso "consertamos" essa particularidade da língua?
Afinal, na mesma reportagem a Veja veio falar mal do gerundismo, de termos em inglês e em português "deselegantes". Ainda que saibamos que o deselegante hoje pode se tornar o familiar amanhã, e está longe de ser um conceito absoluto.
Assim, para alguém da área de exatas como eu, o português tem uma lógica muito "fuzzy". Talvez no futuro as máquinas de tradução, parsers e algoritmos de análise lexicais possam domar um pouco a fluidez formal de nossa língua. Ainda que não haja nada que indique que isso seja uma tendência.
Um educado leitor escreve para estranhar que este jornal utilize a expressão risco de vida, alegando que um professor de renome já corrigiu este equívoco de uma vez por todas: "É risco de morte, pois só pode correr risco de vida um morto que está em condições de ressuscitar". Sinto dizer-te, meu polido leitor, mas não é bem assim que funciona. A experiência me ensinou a suspeitar, de antemão, de tais "descobertas" adventícias, feitas por essas autoridades que aparecem para me anunciar, com aquele olhar esgazeado do homem que viu a bomba, que eu estive cego e surdo todo esse tempo. Talvez não saibas, mas o Brasil assiste agora a uma nova safra desses Antônios Conselheiros da gramática: volta e meia, aparece um maluco disposto a reinventar a roda e a encontrar "erros" no Português que já era falado pela avó da minha bisavó e pelos demais antepassados - incultos, cultos ou cultíssimos. O que esses fanáticos não sabem (até porque, em sua grande maioria, pouco estudo têm de Lingüística e de Gramática) é que, mesmo que a forma que eles defendem seja aceitável, a outra, que eles condenam, já existia muito antes do dia em que eles próprios vieram a este mundo para nos incomodar.
Cláudio Moreno. Porto Alegre, 27 de novembro de 2004 - Jornal Zero Hora,
Edição nº 14342
A questão tem cerca de dez anos, talvez quinze. O certo é que quando Cazuza cantou, em 1988, “o meu prazer agora é risco de vida” (na canção Ideologia), ainda não passava pela cabeça de ninguém corrigi-lo. Mais tarde, professores de português que exerciam o cargo de consultores em redações conseguiram convencer os chefes de determinados jornais e TVs de sua tese tolinha: “Como alguém pode correr o risco de viver?”, riam eles.
Era um equívoco. Julgavam ter descoberto uma agressão à lógica embutida no idioma, mas ficaram na superfície do problema, incapazes de fazer uma análise linguística mais sofisticada e compreender que risco de vida é risco para a vida, ou seja, risco de (perder a) vida. O que, convenhamos, nem teria sido tão difícil.
Muita gente engoliu desde então o risco de morte. De tanto ser martelada em certos meios de comunicação, inclusive na TV Globo, a nova forma vai sendo adotada por multidões de falantes desavisados. O que era previsível, mas não deixa de ser meio constrangedor.
Não se trata de dizer que risco de morte seja, como alegam seus defensores a respeito de risco de vida, uma expressão “errada”. Não é. De gabinete, sim, mas não errada. Pode-se usá-la sem risco para a adequada comunicação de uma mensagem. Se seus adeptos se contentassem em fazer tal escolha de forma discreta, sem apontar agressivamente o dedo para quem não concorda com ela, a convivência das duas formas poderia ser pacífica.
Sérgio Rodrigues. Risco de vida ou risco de morte? - Sobre Palavras.
Em artigo intitulado Revista Veja e suas concepções de Língua e Ensino Tânia Guimarães discorre sobre o caráter meio bipolar da revista em relação ao tema, como pode ser observado nos seguintes trechos do referido artigo:
A revista Veja não apresenta coluna semanal ou mensal sobre o tema LP [Língua Portuguesa]. Nota-se, um período relativamente grande entre uma reportagem e outra. Dentro do período de 1997 e 2002, foram encontradas treze reportagens sobre a LP. A baixa ocorrência pode ser explicada pelo fato de o tema não ser considerado notícia, por não figurar na agenda setting. Matérias encontradas:
1) Língua Enrolada → entrevista das Páginas Amarelas feita com o professor Pasquale, em 1997.
2) Nossa Língua Portuguesa → comenta um dicionário elaborado pela Academia Brasileira de Letras e suas incoerências.
3) Tupi or not tupi → reportagem que aborda a história, o ensino e a tentativa de resgate do Tupi.
4) Pequenos grampos, grandes negócios → sobre os destaques do ano de 98, entre eles, o professor Pasquale.
5) Fuja do "a nível de" → nota que se propõe a dar dicas ao leitor.
6) Errar é divino → análise da questão do erro sob a ótica literária.
7) Nobre como Camões → de curiosidade histórica, pois traz a informação de que o português da população rural é, na verdade, resultado do português arcaico.
8) O Fim do Português → entrevista das Páginas Amarelas feita com Steven Fischer .
9) O Bom senso está on sale →foi produzida no auge da polêmica do projeto de lei de Aldo Rebelo.
10) Todo mundo fala assim → reportagem sobre o lançamento da Gramática de Usos.
11) O poder da Palavra → matéria de capa sobre lançamento do dicionário Houaiss.
12) Falar e escrever, eis a questão → capa.
13) Todo apoio ao MST → de autoria de Diogo Mainardi com declarações reveladoras de sua concepção de língua.
O que foi encontrado nas matérias
No primeiro texto, Língua Enrolada, prevalece a visão do gramático, no caso, do professor Pasquale. Infelizmente, a imagem de falante criada por suas declarações é a pior possível: A nenhuma pessoa é atribuído um "bom uso" da língua, somos uma nação de maculadores da LP, desde os presidentes, passando pelos professores até chegar na população. Problemas de toda ordem são apontados.
(...)Todo apoio ao MST, lamentavelmente, é outra que constrói uma péssima imagem de falantes de LP, de professores e escola. De acordo com seu autor, "está tudo nivelado por baixo" e a prova são os encartes do professor Pasquale, que conferem a impressão de que nenhum brasileiro terminou a sétima série. Crítica, aliás, destoante da autoridade conferida pela Revista ao mesmo professor.
(...)Nas reportagens, percebe-se uma oscilação freqüente entre as concepções de língua/linguagem adotadas nas treze matérias, o que permite afirmar que o corpo editorial não tem uma postura objetiva sobre os fenômenos da linguagem e nem mesmo jornalistas especialistas para tratar do tema, a fim de manter uma mesma visão sobre os fenômenos idênticos. Quanto à autoria, convém atentar ao fato de que os jornalistas designados não se repetem, exceção para João Gabriel Lima, fato que pode explicar a oscilação de concepções.
(...)Eis, sucintamente, o resumo dos resultados:
1º) Veja sustenta que o brasileiro faz um péssimo uso do idioma;
2º) os parâmetros para estabelecer esta imagem são baseados na Gramática Tradicional;
3º) a escola falha por não proporcionar a competência comunicativa e a Revista sugere o mesmo velho caminho - ensino da Gramática Tradicional;
4º) oscilação entre as concepções de língua/linguagem nas matérias devido à sua autoria;
5º) são responsáveis pelas falhas do ensino ineficaz de Língua Portuguesa: professores, alunos, escola, metodologia de ensino;
6º) não esclarece ao leitor as diferentes concepções de língua de estudiosos de acordo com a área de atuação;
7º) não diferencia as peculiaridades da fala e da escrita;
8º) redundância em relação ao conteúdo dentro da própria Revista e em relação à mídia em geral, constituindo-se na auto-alimentação (Rossi);
9º) a revista cria, ora uma imagem de língua estática, petrificada, imutável, ora uma língua sujeita aos falantes e às mudanças; viva, enfim; 10) não pode ser considerada uma representante do prescritivismo e dos gramáticos tão pouco da inovação dos lingüistas.
Revista Veja e suas concepções de Língua e Ensino - Revista Espaço Acadêmico
Mas o português é assim mesmo, vem uma reforma para simplificar e temos que aprender tudo de novo. Aí um país lusófono grita que não abre mão de uma exceção e a simplificação complica.
Basta que todo mundo fale errado que o errado fica certo e o certo anterior caia em desuso. Assim, como o Direito, o a norma culta sempre serviu para discriminar e segregar. Facultando aos especialista o direito de "falar errado" e "agir errado", desde que saiba justificar. Para não se passar por ignorante.
Desta forma, a próxima vez que alguém corrigir o seu português diga que você está, na verdade, criando um neologismo, uma licença poética, que você foi alfabetizado em inglês, ou mesmo que você está exercendo seu poder transformador da língua. Que daqui a pouco o "vc q tc" vai figurar em algum dicionário, primeiro como jargão técnico, depois será incorporado na norma culta pois algum "imortal" vai escrever alguma crônica citando a inovação e o errado passará a ser o corretor.
E siga feliz com a democracia e a liberdade de expressão. Só não vá fazer isso em um concurso público ou no vestibular que você se enrosca. ;-D