Uma pesquisa encomendada pela BBC ao instituto de pesquisas britânico Populus, que foi noticiada por Keila Gimenez na Folha de S.Paulo, conf...
Uma pesquisa encomendada pela BBC ao instituto de pesquisas britânico Populus, que foi noticiada por Keila Gimenez na Folha de S.Paulo, confirma o que já sabemos da televisão pública brasileira: o povo não assiste, mas adora.
Entre dezenas de estações de 14 países, a TV Cultura foi considerada a segunda melhor do mundo em qualidade, atrás apenas da BBC One. Não bastasse isso, ela surge muito à frente da TV Globo, que aparece na modestíssima 28ª posição. É o suficiente para que rufem os tambores do desprezo à televisão comercial e da exaltação mecânica da sua suposta antípoda, a TV pública.
Devagar com a antena. O Populus trabalhou com uma amostra total de 7.036 adultos, entrevistados online (por telefone) entre 30 de setembro e 7 de outubro de 2013, na Austrália, Brasil, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Espanha, Suécia, Portugal, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e EUA. Cada país teve uma amostra de 500 pessoas, “nacionalmente representativa”, segundo o instituto, “excluindo o Brasil e os Emirados Árabes Unidos”. Nesses dois casos, foram ouvidos apenas moradores de áreas urbanas, não identificadas.
Ou seja: a TV Cultura revelou-se a queridinha dos telespectadores das cidades, presumivelmente, das maiores cidades. E o que a pesquisa avaliou foi a simples percepção de qualidade, se as pessoas consideram bons ou ruins os programas oferecidos. Não há cruzamento com dados de audiência, para que se possa apurar se a percepção expressa nos resultados corresponde à experiência real dos telespectadores, ou um juízo objetivo deles, extraído da audiência regular da emissora.
Sem noção
Aí temos o paradoxo. A TV Cultura, considerada a melhor por 76% dos brasileiros entrevistados, e a TV Brasil, que obteve 49% na mesma sondagem, detêm índices de audiência na faixa de 1%, em todas as praças onde são sintonizadas. Já a TV Globo, que lidera o mercado de televisão aberta, com média de audiência diária de 16,5% em São Paulo, o mercado mais competitivo, recebeu 51% de aprovação.
O que se pode supor é que as pessoas avaliaram bem as emissoras públicas sem conhecer, de fato, a sua programação. Deram nota alta a elas apenas porque não veiculam a tal “baixaria”, sempre apontada nos canais que o público, na verdade, prefere ver.
Não entrou na ponderação dos entrevistados, por exemplo, o fato de que diversos programas da TV Cultura vêm sendo extintos por falta de recursos de produção (Cocoricó, Vitrine, Zoom, Direções). Outros estão comprometidos por alinhamento ideológico e perda de diversidade (Roda Viva, Jornal da Cultura).
No conjunto da grade, a participação de produtos comprados de distribuidores estrangeiros ampliou-se enormemente desde junho de 2010, quando João Sayad assumiu a presidência da TV Cultura com uma proposta de reestruturação administrativa e financeira que resultou desastrosa. Em vez de uma emissora ajustada e florescente, legou ao sucessor, Marcos Mendonça, um déficit anual de R$ 40 milhões.
Sayad eliminou as fontes de receita autônomas da TV Cultura: venda de serviços técnicos de televisão, captação de publicidade, licenciamento de produtos. Objetivamente, estatizou a emissora, fazendo-a recuar 30 anos no tempo, quando dependia integralmente de transferências orçamentárias do Governo do Estado de São Paulo. A TV Cultura vive hoje de repasses governamentais, aliás, declinantes. Mal consegue pagar a conta de luz, quanto mais produzir um bom volume de programas próprios, que outrora tinha na grade.
Sem embargo dos excelentes profissionais que lutam para manter a velha chama acesa, meus amigos e companheiros de grandes realizações, se a TV Cultura oferece hoje a melhor qualidade em televisão no Brasil, ou o público está elogiando sem ver, como parece, ou perdeu totalmente a noção do que seja qualidade.
>> Veja aqui o sumário da pesquisa BBC-Populus.
***
Gabriel Priolli é jornalista
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
Entre dezenas de estações de 14 países, a TV Cultura foi considerada a segunda melhor do mundo em qualidade, atrás apenas da BBC One. Não bastasse isso, ela surge muito à frente da TV Globo, que aparece na modestíssima 28ª posição. É o suficiente para que rufem os tambores do desprezo à televisão comercial e da exaltação mecânica da sua suposta antípoda, a TV pública.
Devagar com a antena. O Populus trabalhou com uma amostra total de 7.036 adultos, entrevistados online (por telefone) entre 30 de setembro e 7 de outubro de 2013, na Austrália, Brasil, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Espanha, Suécia, Portugal, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e EUA. Cada país teve uma amostra de 500 pessoas, “nacionalmente representativa”, segundo o instituto, “excluindo o Brasil e os Emirados Árabes Unidos”. Nesses dois casos, foram ouvidos apenas moradores de áreas urbanas, não identificadas.
Ou seja: a TV Cultura revelou-se a queridinha dos telespectadores das cidades, presumivelmente, das maiores cidades. E o que a pesquisa avaliou foi a simples percepção de qualidade, se as pessoas consideram bons ou ruins os programas oferecidos. Não há cruzamento com dados de audiência, para que se possa apurar se a percepção expressa nos resultados corresponde à experiência real dos telespectadores, ou um juízo objetivo deles, extraído da audiência regular da emissora.
Sem noção
Aí temos o paradoxo. A TV Cultura, considerada a melhor por 76% dos brasileiros entrevistados, e a TV Brasil, que obteve 49% na mesma sondagem, detêm índices de audiência na faixa de 1%, em todas as praças onde são sintonizadas. Já a TV Globo, que lidera o mercado de televisão aberta, com média de audiência diária de 16,5% em São Paulo, o mercado mais competitivo, recebeu 51% de aprovação.
Personagens de programas infantis da TV: Prof. Tibúrcio(TV Cultura, pública), Bozo (SBT, privada) e Xuxa (TV Globo, privada) |
Não entrou na ponderação dos entrevistados, por exemplo, o fato de que diversos programas da TV Cultura vêm sendo extintos por falta de recursos de produção (Cocoricó, Vitrine, Zoom, Direções). Outros estão comprometidos por alinhamento ideológico e perda de diversidade (Roda Viva, Jornal da Cultura).
No conjunto da grade, a participação de produtos comprados de distribuidores estrangeiros ampliou-se enormemente desde junho de 2010, quando João Sayad assumiu a presidência da TV Cultura com uma proposta de reestruturação administrativa e financeira que resultou desastrosa. Em vez de uma emissora ajustada e florescente, legou ao sucessor, Marcos Mendonça, um déficit anual de R$ 40 milhões.
Sayad eliminou as fontes de receita autônomas da TV Cultura: venda de serviços técnicos de televisão, captação de publicidade, licenciamento de produtos. Objetivamente, estatizou a emissora, fazendo-a recuar 30 anos no tempo, quando dependia integralmente de transferências orçamentárias do Governo do Estado de São Paulo. A TV Cultura vive hoje de repasses governamentais, aliás, declinantes. Mal consegue pagar a conta de luz, quanto mais produzir um bom volume de programas próprios, que outrora tinha na grade.
Sem embargo dos excelentes profissionais que lutam para manter a velha chama acesa, meus amigos e companheiros de grandes realizações, se a TV Cultura oferece hoje a melhor qualidade em televisão no Brasil, ou o público está elogiando sem ver, como parece, ou perdeu totalmente a noção do que seja qualidade.
>> Veja aqui o sumário da pesquisa BBC-Populus.
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Gabriel Priolli é jornalista
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]