A psiquiatria sabe mesmo dizer se alguém é louco? Conheça o experimento Rosenhan. O ano é 1972. Guerra Fria. O Brasil já era tri. Nos jogos ...
A psiquiatria sabe mesmo dizer se alguém é louco? Conheça o experimento Rosenhan.
O ano é 1972. Guerra Fria. O Brasil já era tri. Nos jogos olímpicos a delegação de Israel sofrera um atentado no infame Massacre de Munique. A Guerra do Vietnã estava em curso. Foi lançada a Apollo 17, a última nave a levar homens à Lua.
Nessa conjuntura, o psicólogo David Rosenhan conduziu uma experiência a fim de testar a validade do diagnóstico psiquiátrico.
Seu estudo foi dividido em duas partes: primeiro ele faria com que voluntários simulassem, brevemente, alucinações auditivas para que fossem admitidos em 12 instituições de tratamento psiquiátrico em cinco estados nos EUA.
Depois, na segunda etapa da pesquisa, seria solicitado à equipe de hospitais psiquiátricos que fosse detectado a existência de "falsos" pacientes (que, de fato, não existiam) dentre os pacientes.
St. Elizabeth's psychiatric hospital, Washington, D.C. Um dos locais visitados pelo experimento Rosenhan
Pode até parecer loucura, mas o próprio Rosenhan participou da primeira parte da experiência. Naquele ano, ele se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano afirmando escutar vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Sendo essa a única mentira que contou.
No mais, comportou-se calmamente e respondeu a todos as perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir nenhuma vez. Em instituições diferentes, outros oito associados à pesquisa fizeram a mesma coisa. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Observavam tudo e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas discretamente, longe do olhar dos funcionários, mas logo eles perceberam que tamanha discrição não era necessária. Médicos e enfermeiros passavam muito pouco tempo com os pacientes e nem sequer respondiam às perguntas mais simples.
Quem percebia que algo estava errado, que eles eram "normais" demais para estarem ali, eram os próprios pacientes.
A ironia maior é que os internos estavam certos. Rosenhan realmente era um acadêmico e sua presença ali era parte de um pioneiro estudo, que é até hoje considerado uma influente crítica à capacidade médica de fazer diagnósticos sobre distúrbios mentais.
Os pseudopacientes permaneceram hospitalizados por prazos que variaram de 7 a 52 dias. Nesse tempo, foram medicados (e como boa parte dos pacientes de verdade, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando os funcionários saíam) sendo posteriormente liberados com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", um termo da psiquiatria que indica que o paciente está livre de sintomas.
Os estudiosos, depois de assumirem a identidade real, requisitaram os arquivos de suas internações. Descobriram que em nenhum documentos havia qualquer menção à possibilidade de que estivessem mentindo ou mesmo que aparentassem não ser esquizofrênicos. No artigo, publicado em janeiro de 1973 na conceituada revista Science, a conclusão de David Rosenhan constrangeu a psiquiatria americana.
A segunda parte da pesquisa também não foi nada abonadora para com a psiquiatria. Ao pedirem que os funcionário identificassem os pseudopacientes, o staff falsamente apontou vários pacientes como impostores. Coisa de louco!
Os resultados da experiência de Rosenhan parecem terem sido antecipados em 90 anos por Machado de Assis. Em seu famoso conto "O Alienista", o grande escritor brasileiro já contava a história fictícia do Dr. Simão Bacamarte. Veja se não é uma tragicômica paródia das conclusões de Rosenhan:
Atenção: o trecho a seguir faz revelações sobre o enredo (spoiler).
Médico conceituado na península ibérica, que decide atuar no campo da psiquiatria e iniciar um estudo sobre a loucura e seus graus, classificando-os.
Se instalou em Itaguaí, onde Funda a Casa Verde, um hospício onde Simão abastece-o com cobaias humanas, para as suas pequisas.
Passa a internar todas as pessoas da cidade que julgue loucas: o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa, etc. Costa, rapaz pródigo que dissipou seus bens em empréstimos infelizes, foi preso por mentecapto. A prima de Costa que intercedeu pelo sobrinho também foi trancafiada. O mesmo acontece com o poeta Martim Brito, amante das metáforas, internado por que se referiu ao Marquês de Pombal como o dragão aspérrimo do Nada. Nem Dona Evarista, esposa do Alienista escapou: indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou o de safira, todos eram loucos. No começo a vila de Itaguaí aplaudiu a atuação do Alienista, mas os exageros do Dr. Simão Bacamarte ocasionaram um motim popular, a rebelião das canjicas, liderados pelo ambicioso barbeiro Porfírio. Porfírio acaba vitorioso, mas em seguida compreende a necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte. Há uma intervenção militar e os revoltosos são trancafiados no hospício e o alienista recupera seu prestígio. Entretanto Simão Bacamarte chega a conclusão de que quatro quintos da população internada eram casos a repensar. Inverte o critério de reclusão psiquiátrico e recolhe a minoria: os simples, os leais, os desprendidos e os sinceros. O alienista contudo, imbuído de seu rigor científico, percebe que os germes do desequilíbrio prosperam porque já estavam latentes em todos. Analisando bem, Bacamarte verifica que ele próprio é o único sadio e reto. Por isso o sábio internou-se no casarão da Casa Verde, onde morreu 17 meses depois. Apesar do boato de que ele seria o único louco de Itaguaí, recebeu honras póstumas. (Adaptado de Wikipedia)
Para mim o prof. David Rosenhan, que hoje é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford, deveria ser chamado de O Desalienista.
Características normais, relatadas pelos falsos pacientes da pesquisa, foram interpretadas pelos enfermeiros como sinais da doença. A aproximação de um dos pais durante a adolescência, por exemplo, transformou-se em "ausência de estabilidade emocional" no relatório médico. E a irritação dos pacientes com a falta de atenção dos funcionários era vista como mais um sintoma da doença e não como reação aos maus tratos.
A conclusão de Rosenhan não fora de todo uma novidade nem mesmo para a comunidade médica. Os americanos começaram a desconfiar de que seus diagnósticos desde a Segunda Guerra Mundial, quando a porcentagem de homens liberados pelo exército por razões psicológicas, variavam de 20% a 60% entre os estados. Para piorar, pesquisas começaram a mostrar que os EUA estavam diagnosticando um número muito maior de esquizofrênicos do que a Inglaterra.
O guia usado pelos médicos nessa tarefa era (e ainda é) o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês). O manual é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como a lista oficial de doenças mentais e é usado em hospitais e consultórios psiquiátricos do mundo inteiro.
Contudo, em 1973, o DSM ainda estava em sua segunda versão (está na quarta atualmente e já se estuda o lançamento da quinta) e os diagnósticos proferidos usando o livro de uma centena de páginas variavam de forma absurda. Um mesmo paciente poderia ser descrito como histérico ou hipocondríaco, dependendo unicamente de quem o avaliasse.
O seu relatório, todavia, estavam longe de ser uma unanimidade. Quando seu artigo foi publicado, Rosenhan recebeu severas críticas de diversos psiquiatras.
Muitos o acusaram de não ser suficientemente científico, pois era impossível provar como os pacientes realmente haviam se comportado (uma vez que Rosenhan nunca divulgou o nome das instituições em que foram internados já que, segundo ele, não tinha intenção de atacar pessoalmente esse ou aquele hospital).
Robert Spitzer, que na época trabalhava no Centro de Pesquisa e Treinamento Psicanalíticos da Universidade Columbia, nos EUA, foi um dos grandes críticos do trabalho de David.
Spitzer crê que o fato de terem sido liberados com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão é uma prova de que os funcionários do hospital conseguiram sim distinguir a sanidade da insanidade. Mesmo assim, Spitzer resolveu revisar o DSM vigente na época.
Ele logo percebeu que os diagnósticos eram fundamentados em escassas provas científicas. Spitzer então montou grupos de estudiosos e foi atrás de pesquisas e evidências. Em 1974, lançou a terceira edição do DSM, com 480 páginas e quase 300 diagnósticos.
Segundo o artigo, "Louco, eu?", publicado na revista Superinteressante a ciência hoje faz uma distinção clara entre loucura e doenças mentais.
Só como exemplo cita-se o caso de um jovem negro americano que, em 1958, foi levado a um hospital psiquiátrico depois de se inscrever para a Universidade do Mississippi. Pois naquele tempo, qualquer negro que pensasse que pudesse estudar ali estaria, inequivocamente, doido.
E hoje? Com os avanços da ciência, a pouca popularidade dos manicômios e a força dos movimentos contra abusos psiquiátricos, era de se esperar que o experimento de Rosenhan, caso fosse realizado atualmente, teria um resultado bastante diverso daquele dos anos 70. Certo? A psicóloga americana Lauren Slater queria saber isso quando decidiu procurar, em 2004, oito prontos-socorros de saúde mental e afirmar que vinha ouvindo o som "tum-tum".
Exatamente como Rosenhan e seus colegas, a voz foi o único sintoma falso que ela apresentou.
Ela não foi tachada de esquizofrênica nem internada (já foi um avanço). Entretanto, nos oito hospitais em que esteve, foi diagnosticada com depressão e recebeu pílulas de risperidone, um antipsicótico bem popular que, na época, era tido como um remédio leve (contudo seis meses depois da experiência, o fabricante divulgou uma nota confessando ter minimizado os riscos do uso do medicamento nos materiais promocionais enviados a médicos).
Spitzer soube, pela própria Slater, dos resultados do experimento. "Acho que médicos simplesmente não gostam de dizer eu não sei", disse a ela pelo telefone, após um longo silêncio.
É uma área do conhecimento que a prepotência pode produzir verdadeiros desastres na vida de outro ser humano.
Todavia, a recusa em confessar ignorância não é um privilégio da psiquiatria.
Para saber mais:
Louco, eu? - Superinteressante, Rosenhan Experiment - Wikipedia, O Alienista - Wikipedia, On Being Sane in Insane Places - Science, O Alienista (na íntegra em PDF)
O ano é 1972. Guerra Fria. O Brasil já era tri. Nos jogos olímpicos a delegação de Israel sofrera um atentado no infame Massacre de Munique. A Guerra do Vietnã estava em curso. Foi lançada a Apollo 17, a última nave a levar homens à Lua.
Nessa conjuntura, o psicólogo David Rosenhan conduziu uma experiência a fim de testar a validade do diagnóstico psiquiátrico.
Seu estudo foi dividido em duas partes: primeiro ele faria com que voluntários simulassem, brevemente, alucinações auditivas para que fossem admitidos em 12 instituições de tratamento psiquiátrico em cinco estados nos EUA.
Depois, na segunda etapa da pesquisa, seria solicitado à equipe de hospitais psiquiátricos que fosse detectado a existência de "falsos" pacientes (que, de fato, não existiam) dentre os pacientes.
Pode até parecer loucura, mas o próprio Rosenhan participou da primeira parte da experiência. Naquele ano, ele se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano afirmando escutar vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Sendo essa a única mentira que contou.
No mais, comportou-se calmamente e respondeu a todos as perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir nenhuma vez. Em instituições diferentes, outros oito associados à pesquisa fizeram a mesma coisa. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Observavam tudo e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas discretamente, longe do olhar dos funcionários, mas logo eles perceberam que tamanha discrição não era necessária. Médicos e enfermeiros passavam muito pouco tempo com os pacientes e nem sequer respondiam às perguntas mais simples.
Apesar de seu show público de sanidade, nenhum deles foi reconhecido.
David Rosenhan. Em seu artigo On Being Sane in Insane Places ("Sobre Ser São em Locais Insanos"), publicado na revista Science.
Quem percebia que algo estava errado, que eles eram "normais" demais para estarem ali, eram os próprios pacientes.
Você não é louco. Você é um jornalista ou um professor checando o hospital.
Dito pelos verdadeiros pacientes várias vezes.
A ironia maior é que os internos estavam certos. Rosenhan realmente era um acadêmico e sua presença ali era parte de um pioneiro estudo, que é até hoje considerado uma influente crítica à capacidade médica de fazer diagnósticos sobre distúrbios mentais.
Os pseudopacientes permaneceram hospitalizados por prazos que variaram de 7 a 52 dias. Nesse tempo, foram medicados (e como boa parte dos pacientes de verdade, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando os funcionários saíam) sendo posteriormente liberados com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", um termo da psiquiatria que indica que o paciente está livre de sintomas.
Os estudiosos, depois de assumirem a identidade real, requisitaram os arquivos de suas internações. Descobriram que em nenhum documentos havia qualquer menção à possibilidade de que estivessem mentindo ou mesmo que aparentassem não ser esquizofrênicos. No artigo, publicado em janeiro de 1973 na conceituada revista Science, a conclusão de David Rosenhan constrangeu a psiquiatria americana.
Agora sabemos que somos incapazes de distinguir a insanidade da sanidade.
David Rosenhan
A segunda parte da pesquisa também não foi nada abonadora para com a psiquiatria. Ao pedirem que os funcionário identificassem os pseudopacientes, o staff falsamente apontou vários pacientes como impostores. Coisa de louco!
Os resultados da experiência de Rosenhan parecem terem sido antecipados em 90 anos por Machado de Assis. Em seu famoso conto "O Alienista", o grande escritor brasileiro já contava a história fictícia do Dr. Simão Bacamarte. Veja se não é uma tragicômica paródia das conclusões de Rosenhan:
Atenção: o trecho a seguir faz revelações sobre o enredo (spoiler).
Médico conceituado na península ibérica, que decide atuar no campo da psiquiatria e iniciar um estudo sobre a loucura e seus graus, classificando-os.
Se instalou em Itaguaí, onde Funda a Casa Verde, um hospício onde Simão abastece-o com cobaias humanas, para as suas pequisas.
Passa a internar todas as pessoas da cidade que julgue loucas: o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa, etc. Costa, rapaz pródigo que dissipou seus bens em empréstimos infelizes, foi preso por mentecapto. A prima de Costa que intercedeu pelo sobrinho também foi trancafiada. O mesmo acontece com o poeta Martim Brito, amante das metáforas, internado por que se referiu ao Marquês de Pombal como o dragão aspérrimo do Nada. Nem Dona Evarista, esposa do Alienista escapou: indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou o de safira, todos eram loucos. No começo a vila de Itaguaí aplaudiu a atuação do Alienista, mas os exageros do Dr. Simão Bacamarte ocasionaram um motim popular, a rebelião das canjicas, liderados pelo ambicioso barbeiro Porfírio. Porfírio acaba vitorioso, mas em seguida compreende a necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte. Há uma intervenção militar e os revoltosos são trancafiados no hospício e o alienista recupera seu prestígio. Entretanto Simão Bacamarte chega a conclusão de que quatro quintos da população internada eram casos a repensar. Inverte o critério de reclusão psiquiátrico e recolhe a minoria: os simples, os leais, os desprendidos e os sinceros. O alienista contudo, imbuído de seu rigor científico, percebe que os germes do desequilíbrio prosperam porque já estavam latentes em todos. Analisando bem, Bacamarte verifica que ele próprio é o único sadio e reto. Por isso o sábio internou-se no casarão da Casa Verde, onde morreu 17 meses depois. Apesar do boato de que ele seria o único louco de Itaguaí, recebeu honras póstumas. (Adaptado de Wikipedia)
Para mim o prof. David Rosenhan, que hoje é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford, deveria ser chamado de O Desalienista.
O hospital se impõe um ambiente especial no qual os significados do comportamento podem ser facilmente mal interpretada. As consequências para os pacientes internados em tal ambiente - a impotência, a despersonalização, a segregação, mortificação e auto-rotulagem - sem dúvida, parecem anti-terapêuticas.
David Rosenhan. In On Being Sane in Insane Places
Características normais, relatadas pelos falsos pacientes da pesquisa, foram interpretadas pelos enfermeiros como sinais da doença. A aproximação de um dos pais durante a adolescência, por exemplo, transformou-se em "ausência de estabilidade emocional" no relatório médico. E a irritação dos pacientes com a falta de atenção dos funcionários era vista como mais um sintoma da doença e não como reação aos maus tratos.
Uma vez marcado como esquizofrênico, não há nada que o paciente possa fazer para superar essa etiqueta. A etiqueta muda completamente a percepção que os outros têm dele e de seu comportamento.
David Rosenhan
A conclusão de Rosenhan não fora de todo uma novidade nem mesmo para a comunidade médica. Os americanos começaram a desconfiar de que seus diagnósticos desde a Segunda Guerra Mundial, quando a porcentagem de homens liberados pelo exército por razões psicológicas, variavam de 20% a 60% entre os estados. Para piorar, pesquisas começaram a mostrar que os EUA estavam diagnosticando um número muito maior de esquizofrênicos do que a Inglaterra.
O guia usado pelos médicos nessa tarefa era (e ainda é) o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês). O manual é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como a lista oficial de doenças mentais e é usado em hospitais e consultórios psiquiátricos do mundo inteiro.
Contudo, em 1973, o DSM ainda estava em sua segunda versão (está na quarta atualmente e já se estuda o lançamento da quinta) e os diagnósticos proferidos usando o livro de uma centena de páginas variavam de forma absurda. Um mesmo paciente poderia ser descrito como histérico ou hipocondríaco, dependendo unicamente de quem o avaliasse.
Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão mesmo no paciente ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido?
Rosenhan apud Superinteressante
O seu relatório, todavia, estavam longe de ser uma unanimidade. Quando seu artigo foi publicado, Rosenhan recebeu severas críticas de diversos psiquiatras.
Muitos o acusaram de não ser suficientemente científico, pois era impossível provar como os pacientes realmente haviam se comportado (uma vez que Rosenhan nunca divulgou o nome das instituições em que foram internados já que, segundo ele, não tinha intenção de atacar pessoalmente esse ou aquele hospital).
Robert Spitzer, que na época trabalhava no Centro de Pesquisa e Treinamento Psicanalíticos da Universidade Columbia, nos EUA, foi um dos grandes críticos do trabalho de David.
Spitzer crê que o fato de terem sido liberados com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão é uma prova de que os funcionários do hospital conseguiram sim distinguir a sanidade da insanidade. Mesmo assim, Spitzer resolveu revisar o DSM vigente na época.
Ele logo percebeu que os diagnósticos eram fundamentados em escassas provas científicas. Spitzer então montou grupos de estudiosos e foi atrás de pesquisas e evidências. Em 1974, lançou a terceira edição do DSM, com 480 páginas e quase 300 diagnósticos.
Segundo o artigo, "Louco, eu?", publicado na revista Superinteressante a ciência hoje faz uma distinção clara entre loucura e doenças mentais.
Talvez pareça desconcertante, mas os psiquiatras não se utilizam de termos como louco ou loucura e nenhuma das atuais classificações dos distúrbios psiquiátricos os inclui.
Sérgio Bettarello, do Instituto de Psiquiatria da USP
Só como exemplo cita-se o caso de um jovem negro americano que, em 1958, foi levado a um hospital psiquiátrico depois de se inscrever para a Universidade do Mississippi. Pois naquele tempo, qualquer negro que pensasse que pudesse estudar ali estaria, inequivocamente, doido.
A loucura como estado de ampliação da existência é positiva. Você costuma sair enriquecido depois de uma experiência dessas. Já as doenças mentais são o oposto disso. No lugar de liberdade, elas te dão uma restrição da autonomia.
Sérgio Bettarello
E hoje? Com os avanços da ciência, a pouca popularidade dos manicômios e a força dos movimentos contra abusos psiquiátricos, era de se esperar que o experimento de Rosenhan, caso fosse realizado atualmente, teria um resultado bastante diverso daquele dos anos 70. Certo? A psicóloga americana Lauren Slater queria saber isso quando decidiu procurar, em 2004, oito prontos-socorros de saúde mental e afirmar que vinha ouvindo o som "tum-tum".
Exatamente como Rosenhan e seus colegas, a voz foi o único sintoma falso que ela apresentou.
Ela não foi tachada de esquizofrênica nem internada (já foi um avanço). Entretanto, nos oito hospitais em que esteve, foi diagnosticada com depressão e recebeu pílulas de risperidone, um antipsicótico bem popular que, na época, era tido como um remédio leve (contudo seis meses depois da experiência, o fabricante divulgou uma nota confessando ter minimizado os riscos do uso do medicamento nos materiais promocionais enviados a médicos).
Eu acredito que a ânsia de prescrever remédios dirige hoje o diagnóstico da mesma forma que a necessidade de enquadrar o paciente como doente fazia nos anos 70.
Lauren Slater, no artigo Into the cuckoo's nest ("Dentro do ninho do louco")
Spitzer soube, pela própria Slater, dos resultados do experimento. "Acho que médicos simplesmente não gostam de dizer eu não sei", disse a ela pelo telefone, após um longo silêncio.
É uma área do conhecimento que a prepotência pode produzir verdadeiros desastres na vida de outro ser humano.
Todavia, a recusa em confessar ignorância não é um privilégio da psiquiatria.
Para saber mais:
Louco, eu? - Superinteressante, Rosenhan Experiment - Wikipedia, O Alienista - Wikipedia, On Being Sane in Insane Places - Science, O Alienista (na íntegra em PDF)